terça-feira, outubro 19, 2010

O RECÔNCAVO DOS MEUS MEDOS

O RECÔNCAVO DOS MEUS MEDOS



O vislumbre de uma forma de morte me fez acordar às 03:30 da manhã de hoje. Levantei da cama inquieto e aflito, liguei o computador, naveguei bom tempo pra ver se as emoções que me despertaram se dissipavam.

Funcionou e por volta das cinco já tava no berço, a sono solto.

Há tempos que não dava bola pros meus sonhos, como hoje. São frequentemente tão surreais que cansei de tentar investigar possíveis sinais que pudessem me orientar a partir do momento em que estivesse novamente com os pés no chão, pronto para mais uma jornada.

Não dá. Não li Jung o suficiente, não faço psicoterapia, nunca me submeti a uma sessão de hipnose ou de regressão a vidas passadas. Não que tudo isso passe longe do meu interesse ou necessidade. Adoraria poder investigar os escaninhos da minha inconsciência com a ajuda de quem tem as ferramentas adequadas para isso e saiba manejá-las com conhecimento e sensibilidade. Mas não o fiz até agora, por negligência ou inconfessado receio. Ou quem sabe pelo desalento causado pela inacapacidade de entender o que penso quando acordado.

Estava diante de alguma situação corriqueira, num ambiente com pessoas produzindo um certo alarido, quando fui abduzido numa fração de segundo e remetido à órbita de uma esfera branca, onde tudo era silêncio e imobilidade. Ali fiquei tempo suficiente para tentar entender o que acontecia e não gostar nem um pouco. Abri os olhos, e acordei respirando opresivamente. Manja aqueles sonhos em que você não consegue vencer a imobilidade e sente medo disso? pois é, já sonhei assim também, embora isso não aconteça recorentemente.

A novidade foi o clique, a transferência súbita de ambiente, como que se eu tivesse sido desligado de onde estava -um lugar como qualquer outro, familiar ao cotidiano- para um completamente desconhecido. Quis entender o que se passara.

Sentei há pouco em frente ao computador. Naveguei no noticiário, li e-mail e fui dar uma xeretada livre por aí, talvez para dar espaços para à intuição. Deparei-me com o blog do Adenor Gondim, que produz e publica belas imagens da Bahia. Uma me chamou a atenção, é essa que ilustra esse post, aí em cima. O adjá toca pra Yemanjá em Cachoeira, à beira do rio Paraguaçú, ela que no Brasil tornou-se tão popular por herdar de Olokun o patronato das águas do mar mas que não perdeu sua autoridade como senhora dos rios. O mito da gênese de Yemanjá, a propósito, relata como ela se tornou orixá ao transformar-se num rio, lá na velha África.

Quem sou eu pra não registrar aqui meus temores e minha reverência. Tô começando a até achar bom isso. Arrisco ganhar um afago de Liliana Pinheiro -a mulher, a lenda, o mito- que não perdoa o tom politicamente correto e multiculturalista que muitas vezes inspira esse terreirinho blogosférico aqui. Dois ganhos num só post, nada mal.

Yemanjá é uma deusa poderosa e zela por seus filhos e filhas como uma leoa, até por aquelas que insistem em não compreender o mito de Ogunté, que de espada em punho não se esquiva de enfrentar suas batalhas ao lado de Ogun, seu eterno companheiro. E saem distribuindo porrada cegamente -nelas mesmas, muitas vezes. E em quem as ama, mais frequentemente ainda.

A orixá tem muito do que cuidar e mesmo sem conhecer a fundo o que se passa não hesita em sair na defesa de seu povo. Reverencio suas garras de mãe, primeiro defende depois vai ver do que se trata.

Espero ter me explicado à deusa e que possa dormir em paz hoje. E espero também que ela perdôe minha impaciência com a belicosidade juvenil de suas lindas e cabeçudas oguntés. Se os orixás muitas vezes não toleram as bobagens de seus filhos e os punem exemplarmente, imagina eu que sequer entendo o que se passa dentro de mim numa noite de sono.